Os avanços do ImPrEP em 2019
Brasil
Edição 2, Novembro de 2019
Nesta edição do Conexão ImPrEP, boletim criado para divulgar as ações conjuntas dos três países que compõem o projeto (Brasil, Peru e México), a pesquisadora principal Valdiléa Veloso faz uma análise geral dos principais avanços do ImPrEP em 2019 e aponta caminhos para 2020.
ImPrEP: avanços de 2019, rumo a 2020
Você considera que o estudo ImPrEP alcançou os objetivos pretendidos em 2019?
Creio que sim. O desafio a que o ImPrEP se propôs é grande: colaborar por meio de estudos, pesquisas e evidências científicas para a construção de um desenho de políticas públicas eficazes na adoção da profilaxia pré-exposição (PrEP) como uma tecnologia de ponta em termos de prevenção ao HIV nos três países que integram o projeto. Importante ressaltar que Brasil, Peru e México nunca haviam trabalhado juntos em pesquisa na área de saúde. Aconteceram projetos como o IPREX, por exemplo, do qual Brasil e Peru participaram, entre outros países, mas os três juntos é uma ação inédita.
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É possível trabalhar de forma integrada com realidades particulares?
O consórcio respeita a realidade de cada país e seu respectivo amadurecimento em relação à implementação da PrEP. Nesse sentido, vale mencionar a variedade de pesquisas e estudos do ImPrEP, exatamente para conseguirmos evoluir de forma confortável para Brasil, Peru e México.
Destaca alguma análise divulgada em 2019 que envolveu os três países?
Em 2019, apresentamos diversas análises importantes, principalmente as provenientes de uma enquete online, realizada no primeiro semestre de 2018, com gays, bissexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH) brasileiros, peruanos e mexicanos. O levantamento, realizado por meio de aplicativos para encontros voltados à população HSH e também do Facebook, contou inicialmente com 43.678 participantes. Com idade média de 28 anos, 19.457 pessoas completaram o questionário, sendo 58% do Brasil, 31% do México e 11% do Peru (as diversas análises podem ser encontradas em www.imprep.org - estudos e
pesquisas).
Com base nessa pesquisa, o ImPrEP publicou, em junho de 2019, seu primeiro artigo científico, no renomado periódico JMIR Public Health and Surveillance, intitulado “Fatores Associados à Disposição para Usar PrEP” . Pelo alcance e relevância do The Lancet HIV, cito também a publicação do artigo “Novas Tecnologias em PrEP”, que tem, entre seus autores, pesquisadores vinculados ao ImPrEP.
Algum estudo específico do ImPrEP sobre as realidades locais?
Apresentamos dois estudos importantes. Um com os resultados preliminares relativos à avaliação qualitativa dos stakeholders brasileiros voltados à implementação da PrEP e outro sobre as unidades de saúde públicas no Peru e seus desafios e barreiras para implementar a profilaxia. Essas análises, embora regionais, vêm servindo de referências para todo o cenário PrEP da América
Latina. Também vale destacar o subestudo do autoteste para o HIV que o ImPrEP está desenvolvendo, com bons resultados, no Rio de Janeiro e em Lima (informações em www.imprep.org – Autoteste).
Como avalia a participação do ImPrEP na conferência da IAS 2019 (International AIDS Society)?
Participar da conferência da IAS significa estar em contato direto com o que há de mais avançado no enfrentamento ao HIV/Aids no mundo.Considero bastante positiva a nossa presença no evento pela enorme visibilidade que deu não só ao estudo, mas para toda a América Latina no sentido de estimular a condução de projetos de demonstração similares ao ImPrEP em outros países. Não há muito investimento em pesquisa em HIV na nossa região, os recursos acabam mais direcionados para África e Ásia, e, consequentemente, temos poucos dados sobre as populações-chave com as quais o ImPrEP está trabalhando, ou seja, gays/HSH, travestis e transexuais.
Na IAS 2019, o ImPrEP conduziu todo um simpósio-satélite...
O simpósio, intitulado “Implementação da PrEP para Homens que Fazem Sexo com Homens e Mulheres Trans na América Latina - Primeiras Lições da Iniciativa ImPrEP: Alcance, Envolvimento e Retenção”, despertou muito interesse, chegando à conferência de imprensa. A boa receptividade do simpósio e os resultados apresentados pelo estudo ImPrEP podem ser medidos pelo destaque que recebeu nas principais divulgações feitas pela própria IAS pós evento e nos sites especializados.
E o que esperar do ImPrEP 2020?
Vamos dar continuidade aos trabalhos que vêm sendo realizados nos três países. Nossa missão, como já disse, não é ser um estudo de pesquisa pela pesquisa propriamente dita no sentido de ser publicada. Nosso foco é gerar dados para subsidiar decisões dos Ministérios da Saúde brasileiro, peruano e mexicano para a devida implementação de políticas públicas para a PrEP e demais tecnologias de prevenção ao HIV. Uma das prioridades em 2020 será aprofundar os trabalhos de pesquisa junto a travestis e mulheres trans – na enquete de 2018 não atingimos o universo imaginado. Estamos tentando novas estratégias, inclusive ações corpo a corpo, indo a ambientes específicos para tentar conseguir maior aderência.
Uma ação junto à população trans a ser destacada é o projeto Transcender, realizado no Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, na Fiocruz/RJ, que adota o método RDS, em que são escolhidas algumas pessoas, chamadas de sementes, que trazem outras para o estudo e assim por diante.Conseguimos acessar em torno de 300 mulheres trans e travestis, quando pudemos, pela primeira vez, constatar quão frequente é a infecção pelo HIV. De cada 100 mulheres trans, por exemplo, 30 já tinham o vírus.
E quanto às outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)?
Não há dúvida de que as ISTs são bastante comuns nas populações atendidas pelo ImPrEP, em especial junto a travestis e pessoas trans. Um desafio – e uma correta demanda por parte da população trans – é que a análise das pesquisas deixe de ser conjunta para que se torne possível obter dados segregados e assim entender as especificidades desse público. Além disso, em 2020 o ImPrEP vai aumentar a frequência com que faz as análises, passando, por exemplo, a aplicar os testes para ISTs em todas as visitas do protocolo. Será um bom caminho para tentar responder a muitas questões e a compreender como funciona a relação PrEP, HIV e demais ISTs. Na verdade, ainda há muito a conhecer no tocante ao comportamento das pessoas que decidem usar PrEP: as que têm boa adesão e as que não têm, a relação com o uso de álcool e drogas, entre outros pontos que tentaremos analisar até o final do projeto.
Ainda nesse campo comportamental, vale citar uma análise que o grupo do Peru está fazendo em relação a diferenças entre peruanos e imigrantes venezuelanos que buscaram a profilaxia via ImPrEP.
Alguma novidade em relação ao trabalho dos(as) educadores(as) de pares do ImPrEP?
O trabalho dos(as) educadores(as) de pares (EPs) é um dos diferenciais do ImPrEP, em especial no Brasil, onde também participam da etapa da continuidade no uso da PrEP, não apenas na captação de participantes. Os(As) EPs são fundamentais no sentido de passarem informações para os usuários da profilaxia, encaminharem dúvidas para os profissionais de saúde, lutarem contra o estigma das populações atendidas pelo ImPrEP junto aos serviços públicos de saúde, particularmente travestis e mulheres trans, sem falar na importante função que desempenham na conscientização acerca de prevenção combinada junto aos funcionários dos centros de estudos onde atuam.
O encerramento do projeto ImPrEP está previsto para junho de 2020. Há possibilidade de prorrogação?
O projeto tem sido bem-sucedido, apresentando dados e informações consistentes mesmo antes de estar finalizado. Paralelamente a isso, há muitas inovações no campo da PrEP, como a chamada PrEP sob demanda, recentemente recomendada pela Organização Mundial da Saúde, além de ações importantes como a PrEP injetável de longa duração, que está sendo testada em muitos centros no mundo, com participação do Brasil via Fiocruz, e os implantes intradérmicos, por exemplo. Ações que estão conectadas com o propósito do ImPrEP e sobre as quais precisamos obter o máximo de conhecimento para atingir a missão de oferecer subsídios consistentes para a implementação da PrEP nos serviços públicos.
Diante desse cenário, faremos uma proposta de prorrogação do estudo junto à Unitaid, nosso parceiro financiador. Esperamos, com isso, poder focar, principalmente, a questão da PrEP sob demanda e toda a mecânica que envolve a sua adoção, que vai desde a aceitação por parte dos participantes do projeto em função de sua vida sexual até a forma como se dará a transição do medicamento diário para o uso sob demanda. Além disso, a prorrogação do projeto propiciaria um acompanhamento mais aprofundado dos participantes, em especial em relação às ISTs, em virtude de termos um tempo maior de observação.
E como fica a parceria com os Ministérios da Saúde do Brasil, Peru e México?
A estrutura da parceria é a mesma nos três países, com o projeto sendo implantado em unidades de saúde públicas, incluindo financiamento para a distribuição gratuita do medicamento, a realização dos testes etc. Essas parcerias são fundamentais para o êxito do estudo. No caso específico do Brasil, essa troca com o Ministério da Saúde é tão importante que nos propuseram fazer um estudo piloto sobre a PrEP sob demanda no nosso sistema de saúde, bem como realizar treinamentos em PrEP para profissionais de saúde de centros e unidades públicas que o Ministério pretende abrir. Essa relação de confiança, na verdade, tem origem na iniciativa PrEP Brasil, também da Fiocruz, que subsidiou o Ministério da Saúde na decisão de incorporar a PrEP com alternativa de prevenção.
Acredito que essas parcerias com os órgãos públicos relativas a projetos como o ImPrEP, as quais chamamos de ciência da implementação, deveriam ser mais frequentes, porque permitem incorporar tecnologias já testadas, ver como a população se comporta e verificar como os serviços funcionam. A realização apenas de ensaios clínicos, por exemplo, nem sempre propicia identificar gargalos.